Querida Vigis,
Alberto Bresciani é poeta, escritor, magistrado e várias outras coisas importantes, por exemplo, marido da Rita e pai do Filipe e do Eduardo. Culto, sensível, amigo dedicado....só qualidades e nenhum defeito! Podem acreditar !
Alberto, Rita, Filipe e Eduardo são amigos muito amados!
Alberto Bresciani é poeta, escritor, magistrado e várias outras coisas importantes, por exemplo, marido da Rita e pai do Filipe e do Eduardo. Culto, sensível, amigo dedicado....só qualidades e nenhum defeito! Podem acreditar !
Alberto, Rita, Filipe e Eduardo são amigos muito amados!
a reconstrução do pássaro do frio
A RECONSTRUÇÃO DO PÁSSARO DO FRIO
Alberto Bresciani
Sentou-se
diante do computador e esperou que as palavras deslizassem suave e
continuamente de sua cabeça para seus braços, para as mãos, os dedos,
que viessem com a inevitabilidade do fluxo sanguíneo, brotassem
facilmente. Como respirar (ainda que não quisesse respirar). Era seu
trabalho.
Ia
da tela ao teclado. Algum texto. Um poema extremo, revelando as feridas
maquiadas, uma crônica dessas que confessam, conto ou romance. Qualquer
coisa que arrastasse para longe a história mal contada que era a sua. A
tela e o teclado eram a interlocução possível. Eram a única interlocução. Acostumou-se a falar apenas o necessário. Muitas vezes se esquecia da própria voz.
As
palavras também constroem mundos para quem escreve. É como desenhar um
cenário pouco a pouco e nele inserir-se com a virtualidade de um Thron
ou como Alice no país dos desastres. Escrever abafava seu vazio.
Primeiro
de janeiro: a possibilidade de recomeçar. Uma intuição nele persistia
sem a coragem que lhe desse matéria, como quase cair e ceder no último
instante. Um novo ano não tem muitas utilidades. Marcador do tempo cada
vez menor, ameaça para tudo o que não se cumpriu. Entretanto,
possibilidades esperam dentro de um livro como incompreensíveis
partículas de pó no raio de sol intruso. A dúvida rondava.
Sim,
as palavras deveriam descer como o vento gelado que cortava a cidade na
noite anterior. Cruelmente até. Aceitaria. O vento ainda ameaçava
aquela manhã, esse vento que dava voltas ao mundo. Talvez houvesse
passado sussurrante pelos corpos do hemisfério quente que abandonou (que
o abandonou desde o início). O frio o aprisionou. O acidente fatal. Ela
era sua crença plana. Em tudo. Levou seu tudo. Não fazia mais sentido.
Lembrou-se
da véspera, dos fogos que morriam abaixo de zero, dos gritos, os
movimentos de dança, encanto, cumprimentos elétricos, encontros.
Por nenhuma razão, quando a contagem regressiva progredia, vieram-lhe à
mente as promessas de felicidade da avó encerrada pelo tempo no
capítulo findo. Ela se chamava Maria. Então, por fração de segundo, a
casa inteira daquela avó o abraçou e o tomou de volta. Um presságio se
cumpriu e evaporou. O segundo se foi. Assim como se desfez a chance de
sua vida. A multidão ainda se comprimia. Homens e mulheres, mulheres e
mulheres, homens e homens, pequenas e grandes famílias, todos se
agarrando à chance de sobreviver, voltar minutos contra o destino
inexorável.
Saíra
esquecido da data e sua aparência destoava. Encaravam-no. Talvez não
compreendessem. A ele que havia renunciado fazia tanto ao engano dos
espelhos, estrangeiro tão estrangeiro de si mesmo. Acostumou-se a ver de
dentro da armadura seca que era o corpo. O copo, só, único, ali, de
ontem, já vezes bebido e bebido.
O
computador ligado. Nas postagens da rede social, as fotos. Guardavam as
personagens quentes muitos anos depois. Continuariam assim, escondendo a
relatividade de tudo. Lá do outro lado. Toda aquela gente o tempo todo.
A
temperatura externa não congelava as palavras. Sabia. Só quase
paralisava o pássaro assustado sobre a neve no jardim do edifício em
frente. Plantas sem esperança e em geometria organizada. As palavras não
apareciam. Foi buscar um café. Era outro primeiro de janeiro e era
longe. O silêncio era o texto inteiro. Era muito. Dizia tudo e tanto.
Impossível escrevê-lo.
Mudou-se
quando já não mais suportava lembrar-se. Subira aquelas suas escadas
tantas vezes. No início, sentia-se no cenário de algum dos filmes que
assistira na adolescência. Foi seu primeiro apartamento deste lado. Foi o
único. Tudo se desgasta. Até o gosto, pensou.
Voltou
com o café. Colocou-o sobre a mesa. O pássaro insistia em sua busca por
alimentos. Mesmo assim a vida seguia. Os pássaros, lá onde fora ele,
tinham destino mais fácil. Aqui, o céu extremamente azul enganava os
sentidos àquela hora do dia. Os sentidos são presa fácil. A tela ainda o
desafiava.
Desviou
a visão para fora. O filhinho da vizinha ruiva estava na calçada,
fixando o pássaro. Moravam os dois, ruiva e filho, no andar inferior.
Passava por eles. Não conversava. Não tinha o quê. Levantou-se, procurou
por ela. Não a viu. Veio-lhe o pânico. Atravessar ruas quase
inofensivas podia ser fatal. O acidente diante de casa. O brilho dos
cabelos dela no vermelho sobre o asfalto, as luzes, as vozes, o seu
grito, fim, o dela e o seu. Abriu a janela e o frio quase o cegou.
Procurou ainda uma vez. O medo. Sem pensar, correu para a porta.
Esbarrou na mesa e o café caiu sobre ele. Desceu em disparada. Saltava
degraus. Tropeçou. Mergulho. Foi para a portaria. Pouco via. Cego. O
menino só. A rua. Quase não teve como deter-se ao chegar ao térreo.
Disse na língua do lugar: "o menino sozinho!" Foi estacionar na calçada.
A
vizinha ruiva, encostada ao portal, ria. Percebeu o susto e o engano.
Chamou o menino. A travessia foi tranquila. Ele, tentando recobrar o
ritmo da respiração, não sabia o que fazer. Percebeu suas calças sujas
de café. Ela ainda ria. Aos
poucos, a face feminina e suave se deteve. Os olhos verdes refletiram os
dele. Havia um estranho universo pulsando naquelas órbitas de paz e
folhas. "Toma um café?", ela perguntou. Ele assentiu, subindo
lentamente. Veio-lhe o impulso de libertar suas asas, estendê-las. Ela
tocou em seu braço.
Não reparem, sentimos o mesmo pela Flávia e por toda a sua família! Assim, somos todos suspeitos! Obrigado, querida Flávia! Um beijo!
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